O espetáculo do rebaixamento e o mito do país do futebol
Marília Martins Bandeira
É impressionante a repercussão do rebaixamento do Corinthians. E, como já postou a Priscila, suscita debates delicados. Neste momento, penso no Corinthians enquanto mito do futebol e também no futebol como mito do brasileiro.
Pensando o fenômeno Esporte na sociedade contemporânea e sua repercussão na mídia, podemos explorar na abordagem estruturalista da Comunicação o referencial mítico de Roland Barthes. E no Brasil, o futebol parece ser o mais forte mito contemporâneo.
Mito, para o autor, é um sistema semiológico, um discurso através do qual as sociedades se expressam e uma forma existencial se perpetua. A narrativa mítica distorce o dado a seu favor, mas não é essencialmente uma mentira, é uma inflexão, uma leitura de determinada época e grupo social.
Com o advento da imprensa, uma fala pode ser posta, em larga escala, a serviço de uma ideologia. Os mitos, não mais elaborações arcaicas, são provocações de comportamentos que levam ao consumo. A indústria cultural é também uma indústria mitológica. E o consumidor de mitos está também aí para a mídia esportiva. Nosso herói Pelé e anti-herói Romário, Macunaíma no futebol, são construções midiáticas que correspondem a necessidades sociais e motivações pessoais distintas.
Da forma identificável do mito podemos destacar três características principais no que se refere ao Esporte. A primeira é que o mito pretende transformar fatos históricos em naturais, assim a prática do futebol no Brasil é dada ignorando sua origem inglesa e elitista. Confundem-se na linguagem jornalística os conceitos garra, raça e nação, mantendo a idéia da habilidade futebolística como inerente a todo e qualquer brasileiro, desde sempre.
A segunda é que a narrativa mítica confere formas de dever a atributos pessoais ou circunstanciais, assim a prática do futebol se torna requisito indispensável à formação da identidade masculina brasileira, o que faz excluir a prática feminina e confere enorme status ao jogador profissional.
E a terceira, é a recorrência do discurso mítico, sua repetição incessante, que no Brasil aparece não só no jornalismo especializado como nos noticiários, telenovelas, conversas informais, manifestações artísticas e discussões acadêmicas.
É evidente que esta discussão é excessivamente densa para uma lauda, mas propor uma análise crítica da construção mitológica, e em específico do mito do futebol no Brasil, decifrar esta fala, implica reconhecer no mito antes um conjunto de valores que pode revelar formas de compreender a sociedade que o produz e depois uma maneira como se profere uma mensagem, muitas vezes mercadológica.
A desmistificação é com certeza um caminho para o entendimento do fenômeno esportivo contemporâneo face à corrida da informação e do consumo.