segunda-feira, 29 de outubro de 2007
O texto a seguir foi produzido por integrantes do Observatório de Favelas após debaterem o filme 'Tropa de Elite'.
O filme "Tropa de Elite", desde a distribuição e a comercializaçã o de cópias piratas até o seu lançamento oficial, suscita debates e polêmicas sobre a atuação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o Bope, e sobre as políticas de segurança pública para o combate ao crime, em especial, ao tráfico de drogas e de armas nas favelas e espaços populares da cidade.
Este artigo pretende avaliar o modo como o filme apresenta e relaciona diversas situações, espaços e personagens, que são representações do mundo real da segurança pública no Rio de Janeiro.
No ponto de vista e nas opiniões do personagem Capitão Nascimento, construído pelo diretor com base em entrevistas com policiais e oficiais do Bope, percebemos elementos de uma mentalidade largamente difundida nesse grupamento e na sociedade de modo geral.
Uma primeira análise diz respeito à forma como Nascimento e seus colegas demonizam o usuário de drogas, apontado como financiador e culpado pelo tráfico e pelos crimes vinculados ao tráfico.
Assusta saber que essa visão superficial e maniqueísta do problema está em sintonia com a de policiais e autoridades de segurança e tem a simpatia de parte do público que assiste ao filme. O próprio governador do Rio já se declarou a favor da revisão da lei sobre o consumo de drogas, enquanto especialistas de todo o mundo apontam a perversidade do enfoque policial e defendem que o tema seja tratado como de saúde pública.
Não menos superficial é a caricatura lamentável das ONGs e movimentos sociais retratada no filme. Eles aparecem como um grupo de estudantes e voluntários deslumbrados, que distribuem camisinhas, dentre outras ações de caráter educativo e assistencial, ao mesmo tempo que servem de cabo eleitoral de candidatos eleitorais e se aproveitam de sua proximidade com o tráfico para eles mesmos revenderem a droga para os pares universitários da classe média.
Hoje, muito pelo contrário, a sociedade civil se constitui como um dos poucos canais de diálogo e articulação entre poder público, iniciativa privada, organismos de cooperação internacional e as diversas associações comunitárias. A grande maioria das ONGs e movimentos sociais são atores chaves para proposição, implementação e avaliação de projetos e políticas públicas nos espaços populares, contribuindo para o cumprimento de princípios constitucionais democráticos.
Capitão Nascimento, seus colegas fictícios do filme e também os da vida real agem e pensam dessa forma muito por causa do processo de treinamento ao qual foram submetidos para se tornar "caveiras". Formação esta centrada na exacerbação da cultura militar e na celebração da morte, cantada nos exercícios e reafirmada nas cruzes fincadas a cada abandono dos aspirantes, chamados de fracos ao desistirem de se tornar assassinos frios, cruéis e impiedosos nas incursões policiais.
Esse treinamento resulta numa visão simplista e beligerante da sociedade, calcada numa gama de preconceitos sobre estudantes, universidades e, principalmente, favelas. Os moradores dessas comunidades não têm voz nem espaço, são afrontados, têm suas crianças sob a mira de pistolas e fuzis, suas casas invadidas. Enfim, são cidadãos que têm seus direitos desrespeitados. Cidadania esta que deveria ser protegida pelos policiais e é desconsiderada pelos mesmos.
Diante disso, o mais chocante de toda essa polêmica gerada pelo filme é a aceitação manifestada pelos espectadores diante do uso de métodos de tortura, humilhação, constrangimento de moradores, truculência e propagação da morte entre as casas, ruas e becos nos diversos espaços populares da cidade.
Essa aprovação pública evidencia como estamos mal no Rio de Janeiro. Mal de polícia, mal de segurança pública e, o que é pior, de tão mal, já distorcemos o entendimento do que pode ou não ser considerada uma tropa de elite.
imagem: Ratão Diniz / Imagens do Povo
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3 comentários:
É, esse filme não perde o destaque, mesmo estando na mídia há meses. É impressionante o número de pessoas que vejo exaltando a obra, ou repetindo de maneira empolgada frases e cenas do filme. Ainda não assisti e parece que não sou deste mundo... O filme pode até ser muito bom, mas de fato, é preocupante como imagens e situações podem ser distorcidas. O que está sendo mostrado pode ser uma crítica, ter nascido como uma crítica, mas está seguindo para o lado do endeusamento. Existe muito mais por trás do "super grupo de polícia que extermina bandidos", a cada incursão da polícia nas favelas o que vejo nos jornais é mais uma mãe que perde sua criança. Não estou criticando o filme, ainda não assisti. Mas que a situação é preocupante, isso é.
oi Marina, como o Marcus, também não assisti o filme, mas ouvi dizer que o filme critica o usuário de drogas, e esta matéria critica esse aspecto do filme. Porém, não consigo deixar de perguntar: se ninguém consumisse drogas haveria tráfico? Pode ser simplista, mas, me desculpe, não dá pra isentar a classe média da culpa: quem consome sustenta, sim, o tráfico; e depois vai pra rua fazer passeata pela paz. Isso acontece e é uma atitude hipócrita. Também é equivocada a maneira de louvar o filme, o Bope não é a solução pra violência. Apesar de não ter assistido, admito, o filme levanta muitas polêmicas.
O Caco Barcellos (que escreveu o excelente Rota 66, recomendo a todos) disse semana passada em uma entrevista que se violência resolvesse, a Rota teria transformado São Paulo em um paraíso. Claramente não foi o que aconteceu e certamente o BOPE não vai transformar o Rio na Suíça... Quanto ao fato de a classe média financiar o tráfico, pode até ser que sim. Agora, não sei se, se de uma hora pra outra, eles parassem de consumir, o tráfico acabaria. E mesmo se acabasse, os traficantes não iriam resolver buscar profissões honestas. Acho que o que aconteceria seria um enorme aumento dos demais crimes. Essa questão precisa de muita análise e planejamento pra ser resolvida.
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