segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Mídia e Poder, por Marilena Chauí

Artigo - Site da FENAJ - Federação Nacional Dos Jornalistas25/09/2006 20:05
Mídia e poder
*Marilena ChauíI.

O poder da mídia: aspectos gerais

Podemos focalizar a questão do exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.

Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação são empresas privadas, mesmo quando, como é o caso do Brasil, rádio e televisão sejam concessões estatais, pois estas são feitas a empresas privadas. Ou seja, os meios de comunicação são uma indústria (a indústria cultural) regida pelos imperativos do capital. Tanto é assim que, sob a ação da forma econômica neoliberal ou da chamada globalização, a indústria da comunicação passou por profundas mudanças estruturais, pois “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.” Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais de internet, satélites, etc. Essas mudanças nos fazem compreender que o poder econômico, graças ao qual os meios de comunicação instituem o espaço e o tempo públicos, não é exercido por agentes que deliberam e agem em vista de seus próprios interesses e fins particulares. Como observam com grande pertinência Maria Rita Kehl e Eugênio Bucci, o sujeito do poder não são os proprietários dos meios de comunicação nem os Estados nem grupos e partidos políticos, mas simplesmente (e gigantescamente) o próprio capital. O poder midiático, escrevem eles, é um “mecanismo de tomada de decisões que permite ao modo de produção capitalista, transubstanciado em espetáculo, sua reprodução automática”. Os proprietários dos meios de comunicação são suportes do capital. Evidentemente, não se trata de negligenciar o poder econômico dos senhores dos conglomerados midiáticos nem sua força para produzir ações ou efeitos sociais, políticos e culturais. No entanto, num nível mais profundo, trata-se de compreender, como mostram as análises de Kehl e Bucci, que essas ações exibem poder, mas não o constituem, pois sua constituição encontra-se no modo de produção do capital.

Do ponto de vista ideológico, podemos tomar como referência a afirmação de Claude Lefort de que a ideologia contemporânea é uma ideologia invisível. A ideologia burguesa, diz Lefort, tinha a peculiaridade de indicar quem eram seus autores ou agentes, era proferido do alto e pretendia ser discurso sobre o social e para o social. A ideologia contemporânea é invisível por que não parece construída nem proferida por um agente determinado, convertendo-se num discurso anônimo e impessoal, que parece brotar espontaneamente da sociedade como se fosse o discurso do social: Assim como o poder econômico aparece localizado nos proprietários das empresas da indústria da comunicação, mas é o poder ilocalizado do capital, assim também, mas de maneira invertida (já que estamos no campo da ideologia), as representações ou imagens que constituem a ideologia aparecem desprovidas de localização, embora estejam precisamente localizadas nos centros emissores da comunicação. Penso que a ideologia invisível só se torna compreensível como exercício de poder se a considerarmos por um outro prisma, aquele que temos denominado com a expressão ideologia da competência. Ou seja, a peculiaridade da ideologia contemporânea está no seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal como discurso do conhecimento e sua eficácia social, política e cultural funda-se na crença na racionalidade técnico-científica.

De fato, por meio do aparato tecnológico, da atopia e da acronia, e dos procedimentos de encenação e de persuasão, os meios aparecem com a capacidade mágica de fazer acontecer o mundo. Ora, essa capacidade é a competência suprema, a forma máxima do poder: o de criar a realidade. E esse poder é ainda maior (igualando-se ao divino) quando, graças a instrumentos técnico-científicos, essa realidade é virtual ou a virtualidade é real.

* Conferência proferida no 32º Congresso Nacional dos Jornalistas, em Ouro Preto (MG), em 05/07/2006.

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