domingo, 16 de setembro de 2007

Unpersonal amigo

Há alguns anos, com a preocupação do culto ao corpo, surgia uma profissão: o personal trainer, um profissional de educação física que se encaixa nos horários dos clientes e realiza um programa personalizado de exercícios. Não muito tempo depois, já se ouvia falar do personal stylist, alguém especializado em como se vestir adequadamente para as diversas ocasiões. Supérfluos para alguns, indispensáveis para outros.

Mas, o que você pensaria se encontrasse esse anúncio na internet:

Você sente falta de alguém para conversar? Alguém para lhe ouvir quando precisa desabafar? Para ficar ao seu lado quando se sente só? Alguém para lhe fazer companhia para ir ao cinema, a um restaurante ou dar uma caminhada?

Se eu puder lhe ser útil de alguma das formas citadas, ligue-me!


Pois é, agora existe o personal amigo! Mediante o pagamento de uma taxa, qualquer um pode ter seu vazio preenchido. Será que a temida solidão agora tem um remédio? No more lonely nights?

Como seria então, esse amigo pago? Será que ele pode tornar-se pessoal mesmo, como aquele que te conhece há anos e sabe do seu estado de espírito só de olhar pra você? Tudo parece tão contraditório nessa profissão! Não creio que seja possível substituir amigos reais por amigos pagos, afinal, como qualquer relacionamento, amizade é troca, e não por moeda, troca-se atenção, ajuda, companheirismo, opinião. Pagar alguém para ser meu amigo parece tão unpersonal. Como reagiria o cliente quando o amigo pago estiver meio, sei lá, sem vontade de sair? Precisando de alguém pra conversar? E quando o cliente discordar em algo do amigo pago? Como é que fica? Dá pra pedir desculpas e sair pra tomar uma cerveja, na boa? Posso abraçar meu amigo pago?

É dificil não perguntar a que ponto chegamos. Quando nos tornamos incapazes de nos vestir sozinhos e de nos relacionar? Numa sociedade em que tudo vira produto, até mesmo algo tão precioso, tão cantado em versos, pode ser escolhido no meio de anúncios na internet. No livro “O direito à ternura”, Luis Carlos Restrepo, constata: “...sofremos uma terrível deformação, um pavoroso empobrecimento histórico que nos levou a um nível jamais conhecido de analfabetismo afetivo...sabemos somar, multiplicar e dividir, mas nada sabemos de nossa vida afetiva, razão pela qual continuamos exibindo grande entorpecimento em nossas relações com os outros”

Talvez essa nova profissão nos leve a questionar do que realmente precisamos. Como curar nosso analfabetismo afetivo. Sim, porque, se há pessoas que pagam por um amigo, é porque a necessidade existe. Todo ser humano precisa do contato, necessita relacionar-se, compartilhar alegrias e tristezas, não fomos criados para ser sozinhos. Mas pagar por um amigo resolverá a questão? Pode até ser que dessas amizades pagas, surja uma verdadeira, mas será que não devemos baixar a guarda, enxergar nossa humanidade e demonstrar nossas limitações e fraquezas para nos aproximar uns dos outros? É exatamente em nossa singularidade que reside a riqueza humana, que torna a proximidade possível e a amizade real.

Cultivar amigos é tê-los por toda a vida, gratuitamente e de verdade. Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração.

2 comentários:

Zambeta disse...

É comum ouvirmos que "o povo brasileiro é acolhedor". E, de fato é, principalmente se comparado com outros, como os ingleses, por exemplo. Mas, se por um lado existe essa característica, por outro, contamos com dados que mostram uma situação bem contraditória. Quase todos os estudos relacionados à Internet mostram os brasileiros entre os primeiros no ranking dos que mais passam tempo e se utilizam da rede. E a Internet tem uma característica natural, que é o isolamento. Por mais que esteja interagindo com gente de todos os cantos, na verdade, a pessoa está lá, sozinha, diante do seu computador. Amigos virtuais não são aqueles que vão oferecer um abraço em um momento difícil ou que vão fazer um convite para aquela cerveja em um dia de comemoração. E como todos precisam disso, eu até consigo entender quem oferece e quem recorre a um serviço como o personal friend.

Fabiana De Mutiis disse...

Algumas pessoas "copiaram" a idéia do Free Hugs e fizeram o mesmo em plena Avenida Paulista, em São Paulo. Alguns achavam que as pessoas estavam loucas, outras entravam no clima e abraçavam sem medo. Embora o brasieliro tenha "fama" de um povo acolhedor, em grandes cidades, como São Paulo, o que percebemos é que as pessoas estão cada vez mais "frias" e menos afetuosas.